Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Debatedores convidados nesta quinta-feira (22) à Comissão de Meio Ambiente (CMA) para opinar sobre o projeto de conceder licenças ambientais automaticamente, após o decurso do prazo para análise de um empreendimento pelos órgãos responsáveis (PLP 71/2019), consideraram a ideia temerária.
A proposta é de autoria do senador Marcio Bittar (MDB-AC), que considera a burocracia e o conjunto de leis ambientais entraves inflexíveis ao desenvolvimento. No entanto, parecer do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pela rejeição da matéria foi acatado na CMA em maio. Um recurso apresentado pelo próprio Bittar levou o texto a ser analisado, então, pelo Plenário. Lá, a proposta recebeu emenda substitutiva da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sugerindo que esse licenciamento tácito somente poderá ser dado para empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor.
Por conta da emenda, o texto retornou para análise na CMA e, em seguida, será avaliado pela Comissão de Infraestrutura (CI), atendendo a requerimento do senador Eduardo Braga (MDB-MA). E foi o senador Jaques Wagner (PT-BA) quem pediu a audiência pública desta quinta-feira.
Durante o debate, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin ponderou que a concessão de licenciamentos ambientais precisa fazer distinções entre projetos simples e complexos. Ele disse que a preocupação do senador Marcio Bittar é legítima. Mas discordou da justificativa dele de dizer que a única consequência do descumprimento dos prazos é a chance de se buscar essa permissão junto a órgãos ambientais de outros estados.
— Me atrevo a dizer que esse texto é um “Papai Noel” para os burocratas públicos corruptos que existem no nosso país. A punição não é para o agente, mas, neste caso, é para a sociedade — afirmou Benjamin.
A urbanista e advogada Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo observou que licenças tácitas por decurso de prazo colocam interesses individuais acima dos interesses da comunidade. Para ela, a falta de uma lei federal de licenciamento, a deficiência das equipes ambientais e falhas nos estudos técnicos são os fatores que atrasam as autorizações. Cerca de 90% dessas concessões são dadas pelos estados. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emite somente cerca de 600 licenças por ano, quando a demanda é bem maior, disse ela.
— Mesmo reconhecendo o problema, minha sugestão é que isso seja resolvido no processo da Lei Geral de Licenciamento. [quero] chamar a atenção para o fato de quem nem tudo se resolve por lei. Na minha opinião, são as equipes que devem ser estruturadas e os processos para os pequenos empreendimentos, simplificados — avaliou.
O senador Jaques Wagner comentou que, assim como um governador pode decidir, por questões ideológicas, não liberar um empreendimento, outros poderão desmontar os órgãos ambientais, para que a concessão seja dada automaticamente no fim do prazo. Para o parlamentar, é preciso equilíbrio, a fim de evitar os dois extremos.
— Se o texto fosse aprovado, governadores sem consciência ecológica poderiam simplesmente drenar o órgão de licenciamento, e todas as licenças seriam aprovadas automaticamente. É preciso caminhos mais inteligentes para resolver um problema que angustia todo mundo, inclusive, os governadores —ponderou o senador pela Bahia.
O advogado André Lima também considera que o PLP 71/2019 apresenta problemas. Ele questionou quais seriam as medidas mitigadoras, preventivas e compensatórias ao meio ambiente adotadas após a possível aprovação do texto.
— Imaginem isso virando regra. Não estamos falando de exceções. Embora o Ibama tenha sido muito efetivo e eficiente nos prazos, a realidade nos estados é ainda mais difícil. E mais de 80% das licenças são concedidas pelos órgãos estaduais — frisou.
André destacou ainda que licenciamento ambiental não é simples peça burocrática, mas uma garantia de segurança ao meio ambiente e um direito fundamental e imprescritível dos cidadãos.
— A base constitucional deve ser considerada por este Parlamento. Cabe a todos nós buscar encurtar, e não aumentar, a distância entre o direito e a política. Sei que não foi isso que o senador Bittar quis, mas a consequência seria inevitável.
Já o advogado Maurício Guetta observou a complexidade do tema e disse que respostas simplistas, como a proposta do PLP, geram ainda mais problemas ambientais. Ele reforçou que as falhas nos estudos sobre os impactos na natureza são um dos maiores entraves na concessão de licenciamentos, e que os órgãos estaduais apresentam problemas estruturais ainda mais graves do que os observados no Ibama.
— Só para se ter uma ideia, a Funai [Fundação Nacional do Índio] não é órgão licenciador, mas é envolvido nesse processo, quando há impacto em terras indígenas. São 7 mil processos de licenciamento complexos para um número de apenas 18 funcionários. Então, o temor em relação a esse problema é seríssimo.
Guetta apelou aos senadores que elevem o nível do debate para “além dos limites ideológicos”, especialmente num momento em que a Amazônia está em chamas.
Fonte: Agência Senado