O afrouxamento das regras para classificar informações públicas como sigilosas levantou, com razão, preocupações sobre a futura aplicabilidade da LAI — Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011), que completa sete anos de vigência em maio de 2019. Ela é um instrumento fundamental para o exercício da democracia brasileira, pois fornece regras claras que permitem o acesso a dados públicos por qualquer cidadão, com procedimentos, prazos e limitação das hipóteses em que esse acesso pode ser negado.

É fato que o texto da LAI não é perfeito. Ele possui brechas que permitiram a delegação de quem pode decidir se um dado é ultrassecreto. Outra lacuna diz respeito a permitir que um decreto de 2012 (nº 7.724) protegesse a divulgação de documentos do governo, considerados preparatórios, ou seja, usados para embasar decisões do poder público. Com base nessa regra, já se negou, por exemplo, a divulgação de minutas de decretos. Mesmo assim, as regras de aplicação da LAI permitiram um grande avanço no acesso a dados do governo federal, incluindo definição de procedimentos para ingressar com recursos mediante uma negativa inicial.

No entanto, a realidade nos governos estaduais não é a mesma e a LAI ainda caminha a passos lentos, ao menos quando se trata de dados sobre as terras públicas de responsabilidade dos estados. E se depender dos órgãos fundiários estaduais amazônicos, essa situação continuará obscura e longe dos holofotes. Na Amazônia, o problema envolve desde decretos que determinam de forma ilegal o sigilo às informações sobre terra pública, até mesmo a necessidade de mandados judiciais de busca e apreensão para obter dados que deveriam estar disponíveis publicamente.

É o que revela o estudo Transparência de Órgãos Fundiários Estaduais na Amazônia Legal, publicado pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que constatou o precário cumprimento da LAI por órgãos de terra em oito estados avaliados. Na média, apenas 22% das informações de divulgação obrigatória estavam disponíveis até 2017, 56% estavam ausentes e outros 22% tinham divulgação parcial. Na prática, significa que é impossível saber quem está recebendo títulos de terra emitidos pelos estados; se os órgãos arrecadam o valor devido nos casos de venda de terra; ou mesmo qual o tamanho exato do patrimônio fundiário de cada uma dessas unidades da federação.

“Na prática, significa que é impossível saber quem está recebendo títulos de terra emitidos pelos estados; se os órgãos arrecadam o valor devido nos casos de venda de terra; ou mesmo qual o tamanho exato do patrimônio fundiário de cada uma dessas unidades da federação.”

A pior situação foi encontrada no Tocantins, com 79% das informações ausentes, seguido de Amapá (70% ausentes) e Acre (62% ausentes). O estado com menos itens ausentes foi o Pará (37%). Seu Instituto de Terras (Iterpa) divulga apenas 29% das informações de forma satisfatória e outros 34% de maneira parcial.

Alguns casos chamam atenção pela distorção do papel que se espera de um órgão fundiário perante a sociedade. Por exemplo, o governo do Mato Grosso decretou, em 2013, o sigilo de sua base de dados fundiários, exigindo que o acesso seja previamente justificado, em completa dissonância com a LAI, que dispensa exposição de motivos para acessar dados públicos. Isto é, em vez de demonstrar como está administrando as terras públicas, o Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat) impede a obtenção de informações.

Outro caso é o do Amapá, onde o assunto foi parar no Judiciário para fazer valer a lei. Ali, desde 2014, os ministérios públicos Estadual e Federal tentam obter judicialmente dados sobre títulos de terra emitidos pelo Instituto do Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá (Imap). Apenas em março de 2018, o MPF obteve liminar autorizando busca e apreensão de dados naquele órgão.

Apesar dos resultados desanimadores, há algumas boas práticas que merecem ser destacadas. Por exemplo, o Imap publicou em seu site alguns arquivos que contêm dados espaciais, mostrando a localização das terras estaduais. Já o Instituto de Terras de Roraima divulgou em sua página da internet, em 2017, uma lista com nomes e CPFs de beneficiários de títulos emitidos. No Pará, o Iterpa ofereceu um curso sobre transparência para 56 funcionários.

Mas, de maneira geral, os órgãos fundiários estaduais precisam se conscientizar de que são gestores de um patrimônio público e que devem satisfação à toda sociedade sobre a situação e a destinação de terras públicas. É urgente sensibilizar e capacitar seus funcionários para o cumprimento da LAI, bem como investir em gestão de informação e tecnologia nessas instituições, para que possam organizar seus dados e atender a demandas por informação. Quanto maior a transparência na gestão das terras públicas, maiores serão as chances de identificar sinais vermelhos e reduzir o risco de privatização indevida e de depredação desse patrimônio que é da população.

Brenda Brito e Dário Cardoso Jr
Brenda Brito é doutora em ciência do direito pela Universidade Stanford e pesquisadora associada ao Imazon; Dário Cardoso Jr. é advogado

Fonte: OECO